Para o homem pré-histórico a mulher estava envolta numa aura mística. Ela sangrava todos os meses e não morria, enquanto que para qualquer homem sangrar significava morrer. Como desconhecia o seu papel na reprodução, o homem pré-histórico considerava a mulher muito poderosa porque ela conhecia o segredo de ter bebés. Daí, ser fácil perceber porque a mulher era identificada com a Deusa e porque a primeira divindade tinha características femininas. Na verdade, em vários locais históricos e arqueológicos do mundo inteiro, foram encontradas inúmeras imagens que representavam a fertilidade da mulher e da Terra, atribuindo à condição feminina, a Fonte Criadora Universal.
Quando os homens descobriram que tinham um papel fundamental na reprodução, a relação entre os dois géneros mudou radicalmente. Por via de uma força física notoriamente superior, o homem passou a dominar a mulher, retirando-lhe a importância que ela tinha.
A sociedade ocidental, dominada pelo género masculino e formada sob a égide da mitologia judaico-cristã, afastou-nos das nossas origens e deu-nos uma educação totalmente desprovida de símbolos femininos.
O homem passou a ter uma necessidade absoluta de se certificar que deixava descendência. Essa necessidade, nunca foi feminina já que a criança saída do ventre da mulher era sempre desta, independentemente do homem a quem pertencia o espermatozóide que lhe fecundara o óvulo. Até há bem pouco tempo, quando ainda se desconhecia a importância do ADN, havia um ditado que o povo colocava na boca das avós: “Os filhos das minhas filhas, meus filhos são, os filhos dos meus filhos, serão ou não.” Ainda hoje, em algumas tribos africanas, por exemplo, quem vai ser o futuro soba (rei), não é o filho varão do soba reinante e sim o filho varão da sua irmã.
O único fundamento para a relação sexual passou, assim, a ser a reprodução, sendo instituído como normal, apenas o acto sexual entre um homem e uma mulher, ou seja, a heterossexualidade. Tudo o que fugisse a esta norma reprodutiva, era considerado anormal ou mesmo patológico.
As mulheres tinham de ser fúteis, frágeis, passivas, ignorantes e sem desejos sexuais que, nelas, eram considerados desviantes e as catapultava para a "má vida".
Esta repressão sexual durou séculos. Porém, desde há uns anos e até aos nossos dias que o sexo deixou de ser apenas o meio de propagação da espécie e passou a ser visto como uma necessidade que nos faz bem e nos relaxa.
O problema, é que se passou da repressão sexual de outrora para a actual banalização do sexo. Mesmo que não andemos à procura de sexo, ele vem ter connosco. Na televisão, no cinema, na publicidade, etc., a nossa mente é constantemente preenchida com mensagens e imagens mais ou menos subtis que nos levam a acreditar que se não formos uns atletas olímpicos do sexo não seremos felizes. Ora, com esta preocupação em sermos felizes através de uma actividade sexual competitiva e alucinante, o sexo acaba por se tornar uma fonte adicional de problemas, em vez de nos tornar felizes. Cabe, a cada um de nós, a dificílima tarefa de discernir sobre o que queremos e não permitir que factores externos à nossa vontade, nos obriguem a “consumir” sexo, como se fosse um hamburger ou um hot dog.
No entanto, apesar de toda a actual banalização do sexo, a verdade, é que o padrão ainda assenta na ideia de que apenas existe relação sexual quando há penetração e, para haver penetração, é necessário o pénis.
Portanto, na nossa sociedade que se mantém patriarcal, a actividade sexual tem de girar em torno do órgão sexual masculino. A verdadeira relação sexual, só existe entre um homem e uma mulher ou entre dois homens.
Ninguém pergunta a dois gays o que fazem na cama. Como ambos têm pénis, não existem quaisquer dúvidas sobre as formas como podem retirar prazer do corpo um do outro. Porém, quase não há lésbica que não tenha passado pela sacramental e humilhante pergunta: “O que fazes na cama com outra mulher?”
Esta pergunta transporta-nos para a certeza de que as pessoas ainda não se libertaram da ideia de que, por não ter pénis, a mulher é individualmente e por si só, assexuada, apenas se tornando um ser sexual quando em contacto com o pénis, portanto, com a sexualidade masculina.
Há uns dias atrás, recebi neste blog um comentário de um homem com 26 anos (!!!) que dizia o seguinte: “Quanto à tua homossexualidade, é triste e só tenho a dizer que deves ter encontrado muitos tipos que não sabem fazer o serviço, daí estares assim. É pena. Mais uma mulher que se perde "para o outro lado", graças à incompetência masculina.”
Logo, para as pessoas que pensam como este indivíduo e que são mais do que seria desejável, a minha sexualidade não é autónoma nem individualizada, é dependente. Dependente da sexualidade masculina. Sou lésbica, não porque eroticamente, sexualmente e emocionalmente desejo mulheres, mas porque, não se aproximou de mim um homem suficientemente "competente" - obviamente como ele - que me tornasse um ser sexual satisfeito de modo a que nem sequer me passasse pela cabeça a ideia de desejar mulheres.
Mas mau, muito mau mesmo, é quando deparamos com mentalidades destas em médicos ginecologistas! É verdadeiramente atroz a ignorância de que muitos padecem. Ora leiam lá
aqui e digam se não é de bradar aos céus.
Não há dúvida de que esta mentalidade, ainda muito generalizada, é o resquício de uma sociedade que relegou (e ainda relega) a mulher para segundo plano, apagando-a da História. Até na busca de informação sobre homossexualidade feminina, esta situação é notória, contrariamente ao que se passa quanto à homossexualidade masculina.
Ora, a ideia de que as mulheres são frágeis, passivas, doces, subtis e só por si, assexuadas, levou à criação de um outro mito sobre o sexo entre as lésbicas. Este, é também e somente, doce, subtil, suave, carinhoso, enfim, com as características ditadas como inerentes ao género feminino.
Nada mais errado.
Já por várias vezes aqui falei de um blog lésbico e erótico que, para mim, é o melhor da blogosfera. Chama-se
Uva Na Vulva e a sua autora BF, defende, tal como eu, o seguinte:
“Sexo é sexo, tesão é tesão, seja entre duas mulheres, dois homens, um homem e uma mulher. Podemos ser delicadas, suaves, amorosas durante o sexo… Mas não necessariamente somos. Lésbicas também têm tesão alucinante, também fazem sexo animal, instintivo, selvagem. Lésbicas também transam apenas por desejo, atração física, também fazem sexo casual. Lésbicas fodem, trepam, se comem, assim como também fazem amor.”
Não se deve estranhar, assim, que a maioria das lésbicas goste de ser penetrada e goste de penetrar. Algumas até apreciam sexo anal. Posto isto, poderá haver quem se sinta tentado/a a fazer as seguintes perguntas:
- Se é assim, então porque não gostam de homens? Porque os gostos sexuais e formas de satisfação sexual, não têm nada a ver com orientação sexual.
- Como se penetram as lésbicas se não têm pénis? As lésbicas sempre usaram as mãos e, actualmente, apesar de no mercado existirem à venda vários acessórios, como os já sobejamente conhecidos strap-on para colocação de dildos, muitas lésbicas não apreciam brinquedos sexuais e continuam a preferir as respectivas mãos e, consoante o momento e a forma como a parceira deseja ser penetrada, usá-las. Há, inclusive, uma técnica conhecida como fist fucking.
Também não se estranhe que existam mulheres que não gozem com o sexo oral. “Todas as mulheres adoram sexo oral e gozam sempre assim.” Este é mais outro mito e andam por aí algumas mulheres que se acham umas anormais porque não apreciam sexo oral. Disparate! Era só o que faltava obrigar-se as mulheres a gostarem disto ou daquilo. Aliás, convém lembrar que tem de existir um determinado clima para o sexo oral acontecer sem constrangimentos. O sexo oral não é um princípio, nem um fim. O sexo oral pode ou não fazer parte do jogo sexual. Para além disso, há quem não o saiba fazer e/ou não goste. Se assim é, é melhor não insistir em fazer. O cunnilingus é uma arte que só deve ser praticada por quem gosta de o fazer e o saiba fazer.
De qualquer modo, é preciso nunca esquecer o maior instrumento sexual que temos: as nossas fantasias! Não vale a pena estarmos numa de sexo, seja ocasional ou com quem amamos, se não libertarmos as nossas mentes e não soltarmos as nossas fantasias.
Numa visita aos arquivos do blog Uva Na Vulva poderão encontrar muita informação que arruma de forma fundamentada com alguns mitos sobre a sexualidade feminina e o sexo entre mulheres.